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sábado, 21 de janeiro de 2012

Muito ajuda quem não atrapalha

No Brasil, o Orkut e a proliferação de lan houses foram responsáveis pela popularização da internet. O primeiro, iniciativa de uma mente brilhante dentro de uma gigante multinacional. Os segundos, micronegócios tocados por brasileiros empreendedores, com poucos recursos, muito suor e nenhum apoio.

Antes disso, enquanto o governo proibia a importação de equipamentos de informática, pioneiros se reuniam em grupos, montavam suas próprias máquinas com peças contrabandeadas e criavam os primeiros BBS, núcleos de comunicação em rede.

Como brasileiros, entendemos muito bem o papel do Estado no que diz respeito a tecnologia, conhecimento e comunicação: ele muito ajuda se não atrapalhar. O problema é que se torna irresistível meter o bedelho em tema tão quente e popular quanto a internet e todo seu ecossistema. E bedelho do Estado tem, invariavelmente, uma leitura: complicação, desinformação, atraso.

E isso por aqui, onde nossa cultura aceita, cultura e espera do Estado uma atuação, forte, presente, paterna. E isso por aqui, onde coexistem aqueles que acreditam nas oportunidades de empreender – da barraquinha de churros à empresa de tecnologia – com aqueles que se empenham em conquistar uma vaga no serviço público, em busca da estabilidade que ele garante.

Imagine, então, como o povo norte-americano está reagindo ao afronte da vez chamado Stop Online Piracy Act, na sigla pronta para trocadilhos, SOPA. A lei, se aprovada, matará a internet como a conhecemos, mesmo sendo um bedelho americano em solo americano.

Já dizia minha avó: “Em cozinha em que muita gente mete a mão, a sopa desanda.” E vai desandar para todo mundo porque o projeto de lei pode tornar inviável qualquer espaço digital aberto à produção de conteúdo por nós, usuários, muitos desses mantidos por empresas norte-americanas. Gmail, Picasa, Flickr, YouTube, Facebook… qualquer desses sites pode, na visão do texto da lei, ser acessado por americanos e usado para roubo de propriedade intelectual norte-americana. Isso inclui a postagem, sei lá, da senha de acesso ao Pentágono ou a simples publicação do vídeo da festa de aniversário de seu filho, repleto de imagens de isopor do Pato Donald, numa grave ofensa aos direitos autorais da Disney.

Além de permitir ao governo censurar todo e qualquer site, a lei ainda facilitará que os donos de direitos autorais punam financeiramente sites e usuários, sem muito espaço para defesa.

Não quero entrar aqui na discussão-anos-90 sobre Propriedade Intelectual, Creative Commons, Anarquia e afins. Mas há uma diferença enorme entre você se filmar cantando uma música de Glee e você vender um DVD de Tropa de Elite no camelô.

Na visão da Lei, é tudo igual. E uma lei que seja aprovada nos EUA – especialmente se nossos parlamentares virem nisso uma forma de engordar o caixa governamental e, por tabela, suas emendas ao Orçamento -, tem meio caminho andado para desembarcar por aqui. Não será novidade, pois temos um projeto de teor similar, que circula desde 1999, de autoria de Luiz Piauhylino (PSDB/PE), e ressuscitad o dez anos depoispelo também deputado Eduardo Azeredo (PSDB/MG). Pergunto, qual a chance de um texto legal sobre internet, que ganha emendas, ajustes e revisões há 13 anos, ser compatível com a realidade dos fatos? Ser de fato útil à sociedade?

Nessas horas, a cultura pop é sempre um alento. Lembro da cena de Guerra nas Estrelas quando o Senador Palpatine transformou a república galática em Império, em nome de uma suposta luta contra ameaças a segurança de todos. Padmé Amidala, mãe de Luke Skywalker, então jovem moçoila e também senadora, desabafou com a frase clássica: “Então é assim que morre a liberdade: com uma clamorosa salva de palmas.”

É o que a classe política vem tentando fazer mundo afora. Parece que aos políticos, no fim das contas, a liberdade é uma aterrorizante e nefasta aberração.